sexta-feira, 24 de abril de 2009

Tempos da Crise VII

O mês de abril nascia mais ameno e as flores da primavera começaram a encantar aquele gelado mas inebriante vilarejo.
Cada dia que passava eu me interava mais sobre os costumes e a língua francesa "oui" e "mademoiselle" não eram agora as minhas únicas palavras. Saciado com esse novo conhecimento, me lancei de corpo e alma numa nova aventura: o coração de flor-de-lis.
Contando com o fato de que o Visconde havia viajado, passei a acompanhar minha amada da escola onde lecionava até sua casa e cada dia mais eu me sentia melhor fisica e emocionalmente.
Seu nome, que por sinal agora sabia, era Camille. Ouço até hoje o dia em que ouvi pela primeira vez, parecia um canto e profundamente emocionante acrescido de beleza pelo sotaque francês. Ela me contava sobre sua vida antes do casamento (que aliás era um assunto proibido em nossas conversas), sobre seus estudos e sobre sua luta para conseguir lecionar. Aos poucos, conquistou minha confiança e fui contando a ela o motivo de minha estada em seu país e o que fazia no Brasil. Expliquei nossa luta contra a malfadada ditadura, mostrei as marcas da opressão e pude notar em seus olhos o brilho dos lutadores. Parecia extramente excitada com minhas histórias de batalha (algumas até inventadas) e ficavámos cade vez mais íntimos.
E foi essa intimidade que levou-nos ao óbvio relacionamento extraconjugal.
Era uma manhã fria, íamos pelo caminho corriqueiro, banhados pelo inebriante cheiro das flores e conversando sobre coisas comuns. Então, algo incomum aconteceu, ela me convidou para entrar e tomar um chá.
Não que eu duvidasse da fidelidade dela com seu marido, mas vi naquele momento a chance mais clara de declarar-me à ela.
Tudo correu bem, tomamos o chá em frente a lareira, mas o dia meio escuro e o clima romântico que produzia aquela sala começou a nos deixar sem palavras e, aos poucos, apenas olhavamos um pro outro. Decidi, era a hora. Levantei-me e fui em sua direção pronto para declarar todo meu amor por ela, mas fui pego de surpresa. Ao mesmo momento, ela levantou-se de sua poltrona e jogou-se em meus braços.
Explicarei o que aconteceu em seguida pois foi um momento extremamente especial. Nunca havia sentido seu corpo tão próximo ao meu e naquele momento um misto de medo e alegria tomou-me transformando qualquer sensação de perigo, de saudade, cansaço ou dor em uma extrema paz.
Seu cheiro, seu calor era demais, permaneci calado pois não havia o que dizer. Olhei por um momento em seus olhos e vi que chorava tal como eu, visível a tamanha emoção que demandavamos naquele momento.
Aos poucos deixei meus lábios tocarem os seus e sinti algo tão forte que é impossível transcrever, não sei se algo neste ou em outro mundo pode se comparar com o que senti naquela manhã.
Por muito tempo apenas a abrecei e beijei saboreando cada momento, como se fosse possível que estes momentos escapassem de mim. Passos apressados no caminho me despertaram deste frenesi e me obrigaram e deixá-la, ainda que mais forte fosse o desejo de continuar ali.

Um comentário:

  1. Uma estória com pitadas de flores, clima primaverial francês e relatos da Ditadura! Parece cenário para um filme.
    Bom chegar a blogs como o seu!

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