sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Aproveitando a vida!

A vida está em alta hoje em dia. Valorizam-na tanto, que dá até gosto de ver. É crack aqui, vodka lá, cigarro ali, anfetamina acolá. Tudo muito bonito, tudo certinho. Eu gosto de viver em um mundo assim.
Nada melhor, que acordar de madrugada com o som dos passarinhos caindo mortos em seu telhado: Ah, o tiroteio rendeu hoje, hein?
Como é prazeroso, abrir a porta devagarinho, bem devagarinho, sentindo aquilo friozinho na barriga: será que tem um morto estendido aqui no chão??? Ou, invadiram a favela, será que não corro o risco de um rapaz aqui da comunidade ou um poliça me dá um tiro na testa de tão assustado??? Opa, não tem ninguém, re re.
Ê vida boa, a adrenalina come solta já de manhã. Nada como ela pra acordar bem.
Agora está que é uma beleza, já saí de casa, vou atravessar a rua e pegar o adorável coletivo. Opa, o coitado do rapaz atrasado não me viu, e quase que me mata com seu BM. Viu, como eu já tenho o horário do ônibus, não preciso correr pra chegar no serviço na hora certa. Mas, também, são cinco da matina, ele deve trabalhar longe, como eu sou! (só pra citar, logo que o rapaz da BM passou, uns dois Golfs e uma Ferrari passaram na mesma pegada, tsc tsc, como esses riquinhos andam atrasados).
Pronto, atravessei a rua, no carreiro encontrei um amigo meu caído no chão, meio sujo, com um cachimbo de crack do lado, esse sabe aproveita a vida, hein??? Guri bão.
Cheguei cedo no ponto, tem apenas mais duas pessoas lá. Ahhhh, como é bom puxar este ar da manhã (se bem que tem um cheirinho esplêndido do cigarro que um simpático cavaleiro, educadamente, compartilha comigo {tudo bem que eu não fumo}).
Hoje o dia está demais, o ônibus chegou e neste dia, particularmente, eu conseguirei ir com apenas meus braços pra fora. Como que sou um cara de sorte!!! O ar tornou condicionado entre a minha respiração e a do senhorzinho com um agradável aroma etílico à minha frente. Os deuses me abençoaram!!!
Mal desci do coletivo e já senti uma leveza em meu corpo, mais à frente quando tomava um cafezinho, percebi que haviam roubado minha carteira. Confesso que fiquei um pouco chateado, achando que a sorte havia me abandonado, até que fui surpreendido por dois rapazes armados de tacos de beisebol, que me constrangeram solicitando minha carteira. Eu sorri, acalentado pela lembrança de que não estava com minha carteira e lhes disse: amigos, sinto lhes dizer, mas não estou com minha carteira. Eles sorriram, eu pensei. Pela última vez nestes últimos dez meses: Foi tanta pancada na minha cabeça, coluna, barriga e tudo mais que eu fiquei em coma por todo este tempo.
Quando acordei, minha família que ainda estava viva, estavam a minha e sorriam, como se fosse domingo, um dia depois do pagamento. Os médicos, falavam que eu precisava de um tempo pra recuperação e eu fiquei por ali.
Nestes dias de hospitalizado fiz amigos, eu sempre uma pessoa feliz, mesmo com uma placa de titânio na cabeça, sem três costelas, com um rim dilacerado, dezessete pinos na perna esquerda e treze na mão direita, comecei então a fazer amigos, cadeirava de lá pra cá, de cá pra lá, até que um dia eu parei na ala psiquiatra.
Conheci uma menina bonita até, mas com uma beleza apagada, com um sorriso triste, muito, mais muito magra. Perguntei-lhe o que tinha acontecido, ela falou que era viciada em anfetamina. Eu pensei: nada demais, só aproveitando a vida.
Entretanto, de tanto pegá-la chorando em frente ao espelho, intrigado com seu estado, questionei um médico o que acontecia com ela. Ele mencionou uma tal de anorexia. Pensei que fosse uma inflamação qualquer e fiquei de boa.
Mas, como o médico falava mais do que a boca, começou o que realmente era anorexia, e eu comecei a mudar o MEU estado de espírito.
Passou um filme na minha cabeça: Todos os dias, eu acordo com o intenso tiroteio no bairro onde eu moro, saia de casa com medo de levar um tiro (isso quando saía de casa), quase sou atropelado por aquele bando de inconsequentes que ficavam brincando com suas vidas e com a de quem estivesse em seu caminho, sou obrigado a ver aqueles por quem tinha consideração jogados na sarjeta viciados em drogas entorpecentes, tennho que fumar o cigarro de um retardado suicida qualquer que queria me levar pra morte com ele, respiro o alcool da boca de um cara sem vida, que estava jogado ao mundo, abandonado, sou privado dos míseros centavos que ganhava como proletariado, e sou espancado por estes mesmos centavos.
Enquanto isso, essa bela moça, essa bela de uma filha da puta, em sua busca incessante por uma beleza totalmente relativa, viciou-se em remédios pra emagrecimento, se tornando uma esquálida totalmente sem vida.
Meus pensamentos duraram alguns minutos, até que percebi que o negligente médico havia deixado uma seringa na mesa ao meu lado: apossei-me do tubo, cadeirei até a menina, pedi que me abraçasse e apliquei o líquido todo nela.
Assustada, ela me olhou e perguntou o que estava acontecendo. Sorri e lhe disse: Estou lhe dando uma razão significativa pra chorar, apliquei-lhe uma quantidade de insulina suficiente pra que você não tenha mais problemas com seu peso. Você tem alguns minutos antes de partir.
Aterrorizada ela corria pelo hospital, comigo cadeirando atrás dela e gritando: Vai aproveita a vida que lhe resta, vai corre! Ha ha ha.
Eu sorri e pensei: como esse povo é trouxa, tanto barulho por uma seringa de soro!!!

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